Sobre a Autora

Lygia Fagundes Telles nasceu em São Paulo, em 19 de abril de 1923. Formou-se na Escola Superior de Educação Física e, a seguir, ingressou na Faculdade de Direito de São Paulo.Publicou seu primeiro livro ainda muito jovem, motivo futuro de arrependimento e insatisfação. Porão e Sobrado, aos 15 anos, em 1938, com ajuda do pai. Logo em seguida, publicou Praia Viva, em 44, e, depois, O Cacto Vermelho, em 49. Mas, ao lançar Ciranda de Pedra, em 54, a escritora proíbe o lançamento desses três primeiros livros por considerá-los "imaturos e apressados".
A geração de Lygia será marcada por dois blocos: De um lado, o back-ground modernista, dando grande renovação ao atraso linguístico em que vivíamos, e, de outro, a censura e os horrores do regime militar nas décadas seguintes de 60 e 70. O que importará é o drible a esta censura com elipses, metáforas e metonímias, assumindo a literatura desse período um teor político.
A autora, entretanto, escapa dessa classificação dividida por décadas, porque atravessará todos esses períodos escrevendo e publicando livros dos anos 40 até o presente. Fica difícil, portanto, restringi-la a uma determinada época ou mesmo a uma corrente temática.
Lygia se encaixa na frondosa árvore literária de Machado de Assis, de quem, aliás, fez uma versão para o famoso conto Missa do Galo. Assumindo-se ela própria de forte influência machadiana, nunca dispensou a ironia, o não-dito, o velado, exercendo uma subjetividade que se dá via fluxo mental da personagem.
Nesses mais de 50 anos ela construiu uma trajetória literária, com 13 livros de contos e quatro romances. Dois livros (Ciranda de Pedra e As Meninas) já vendem mais de 30 edições. Além desses, publicou vários sucessos, como: Verão no Aquário, Antes do Baile Verde, A Disciplina do Amor, A Estrutura da Bolha de Sabão, A Noite Escura e Mais Eu, etc.
Lygia recebeu diversos prêmios literários internacionais e teve obras publicadas em diversos países. Desde outubro de 1985, ocupa a cadeira 16 da Academia Brasileira de Letras.Com diversas adaptações para peças e filmes, estudada em universidades daqui e do exterior, traduzida em diversas línguas, hoje, aos 80 anos, ela continua escrevendo ativamente. Depois de lançar em 2000 o esperado livro de contos, Invenção e Memória, a escritora já nos reserva outras três novas obras.

Foto : Lygia Fagundes Telles e Anette Naiman

Lygia Fagundes Telles: O universo de sua obra

O conto "Apenas um Saxofone" integra o livro "Antes do baile verde" (publicado em 1970 e traduzido para o tcheco, o russo e o francês); uma das obras mais marcantes da carreira de Lygia Fagundes Telles. Os contos, escritos entre 1949 e 1969, deixam claro para o leitor por que a autora é uma das mais representativas e premiadas escritoras brasileiras.
A autora demonstra uma coragem singular para trabalhar pontos mais delicados da condição humana através de personagens cínicos, amargos e, principalmente, cruéis como neste clássico conto "Apenas um saxofone", onde uma mulher pede ao amante que se mate como prova de amor.
O que mais impressiona nas suas histórias é notar a insistência (obsessão?) em alguns temas. Vai e volta e ela insiste nos mesmos temas. A morte; a loucura, o passado que não volta mais e tantos outros temas que integram o universo ficcional lygiano.
Em Lygia, a temática da morte é algo bastante presente, está permeada de elementos do grotesco, do mistério, do suspense, as vezes carregado de fatalidade e culpa. Os temas nunca estão isolados como pérolas numa concha. O tema da morte, por exemplo, pode ser visto imbricado conjuntamente com o da solidão e loucura.
A personagem de "Apenas um Saxofone" representa não só a solidão, o abandono, mas também a representa a culpa, o medo. Fechada em seu mundo, submissa e só, faz um balanço da sua vida em meio ao álcool. Irritada com as pessoas, com a frivolidade coletiva, de tão lúcida, as vezes beira a loucura. A viagem que ela faz é interior, indaga sobre a sua existência, a sua vida.
Na idéia de solidão narrada nos livros lygianos há sempre um fio de loucura. Em geral, a solidão é encarada de forma infeliz, uma vez que ela paira sempre interditando o desejo do outro, da espera desse outro, transformado em sombra. Solidão que pode levar à derrota, a um processo de amadurecimento e crescimento, ou, simplesmente, pode expor a alienação.
Solidão, passado, morte, loucura... literatura de Lygia não é apenas isso. Diversos contos da escritora são repletos de humor, romantismo, uma certa crença no amor, no sonho, no encontro entre duas pessoas. Nessa linha, há, inclusive, um livro parcialmente autobiográfico, bastante romântico, misto de ficção e realidade, chamado A Disciplina do Amor.
A arte de Lygia tem um grande sentido de libertação porque a toda hora podemos nos ver nos preconceitos das suas personagens. A indiferença, o racismo e elitismo humanos estão na sua obra servindo de espelho para nós.
Além de todos esses temas, suas narrativas turbulentas, de diálogos cuidadosamente esculpidos são marcadas por finais em aberto. Os finais das histórias de Lygia provocam o imaginário do leitor. Boa parte delas "terminam sem terminar", ou seja, fogem do esquema começo-meio-fim. Há sempre uma cartada, uma surpresa, um susto. Ao se ler e reler as suas histórias percebe-se claramente que não se trata de uma escritora maniqueísta, que segue o esquema fácil tipo "novela das oito", com começo e meio arrastados e aquele final com um monte de casamentos. Quem busca um final feliz, típico dos filmes de Hollywood e novelas, não encontrará. O cômodo happy-end passa longe da literatura lygiana.
Nesse Brasil, grassado pelo analfabetismo e por tantas injustiças, ler Lygia Fagundes Telles é um sopro de inteligência e rara beleza. Felizmente ela tem servido como contraponto dessa (sub) cultura descartável, desse lixo que surge e some sem deixar pistas.
Ela escreve desarrumando nossas certezas, expondo nossos preconceitos, medos e desejos, as vezes sombrios, perversos e insanos, mas necessários para mostrar que somos capazes dos atos mais humanos e, ao mesmo tempo, vis e cruéis. Com isso, a autora fala da alma humana, da rede de obstáculos com que o homem se depara diante da vida, do mundo. Assim, a docilidade dos seus personagens é apenas aparente. É que eles estão desnorteados pela sensação de perda, do vazio diante da vida. Os personagens passam muita dor e desencontro porque assim são as nossas relações. No geral, eles agem cruelmente. Crueza que não deixa imune a quem procura os seus livros.
Apesar de expor o tempo todo as dificuldades de relacionamento, a sua obra perpassa também um grão de otimismo porque ela quer que o leitor acredite no ser humano. Apesar de tudo, parece nos dizer, há uma luz. Mesmo expondo a dificuldade de compreensão, de amar o outro, mesmo mostrando o desencontro, as dores do mundo, os anseios e desesperos deste outro, seus livros também têm este otimismo porque ela sabe que nessa busca estamos nós e está a sua literatura.

( extraído de ensaio de Suênio Campos de Lucena; jornalista, escritor e professor de Comunicação Social da UNEB, Universidade do Estado da Bahia, com Mestrado em Comunicação e Cultura Contemporâneas pela FACOM/UFBA.)

Sobre o livro ANTES DO BAILE VERDE

Com a publicação de Antes do Baile Verde, em 1970, Lygia Fagundes Telles tornou-se um dos contistas mais expressivos do século vinte no Brasil. Em seus contos lêem-se as transformações dos anos cinqüenta e mais especificamente, no período da ditadura militar. Coincidindo com o avanço da Psicanálise nos centros urbanos, sua obra tematiza as angústias, os desencontros, as misérias humanas, com ênfase à violência nas relações sociais mais próximas: amorosas e familiares. A qualidade literária desses contos, em imagens visuais, sugere que a literatura é também uma forma de incursão nas almas e, catarticamente um lenitivo para os conflitos individuais.
É sobre desajustes e desencontros que Lygia constrói seu universo ficcional. Seus contos, porém, não se restringem a documentar vidas privadas da burguesia urbana. Trabalhando as emoções com a força da palavra, ela sofisticou a forma para criar um mundo em que os limites entre o vivido e o imaginado se confundem e tocam as dimensões do onírico. Escolher alguns dentre tantos contos perfeitos é uma forma de homenagear a quem alimentou, através da palavra escrita, os anseios, as expectativas e as fantasias de, no mínimo três gerações de leitores.

Lea Masina é doutura em Letras, professora adjunta do Instituto de Letras, professora adjunta no Instituto de Letras da UFRGS, bacharel em Direito e crítica literária.

Um dos grandes momentos literários da carreira de Lygia Fagundes Telles foi por ela vivido em 1969, ao receber em Cannes o grande Prêmio Internacional Feminino para estrangeiros em língua francesa, concorrendo com candidatos de 20 países. Venceu ANTES DO BAILE VERDE ( AVANT LE BAL VERT) .
Lançado na França, esse livro teve excelente fortuna crítica, da qual destacamos alguns fragmentos.

"Em algumas poucas páginas, Lygia Fagundes Telles nos dá a conhecer todo um mundo complexo, crível - verdadeiramente é uma grande escritora" P.Rosset - Elle

"A escritora brasileira ainda uma vez nos oferece nesses contos uma nova medida de seu talento" Valérie Hanotel , Lê Figaro

"Contudo, cuidado. São contos que revelam seres oprimidos, freqüentemente volúveis, às vezes criminosos. Nada se explica: alguns objetos, alguns detalhes são suficientes para marcar o clima. Uma penteadeira em desordem, um fio de pérolas enrodilhado num bolso e as personagens desatam a se questionar, enervadas, raivosas, enlouquecidas de ciúmes. Envolvido por esse fumo de paixão, o leitor se abandona, deliciosamente, à sua fome de justificativas e descobertas" Jean Soublin, L'Express

 

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